O ministro da Cultura cabo-verdiano, Abraão Vicente, acusou ontem a Fundação Amílcar Cabral (FAC) de “desonestidade intelectual” após esta anunciar a entrega da candidatura dos escritos do seu patrono ao programa Memória do Mundo da UNESCO.

Em declarações à agência Lusa, o ministro da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde disse que estranhou a comunicação da FAC, de que na quinta-feira foi “submetido formalmente à UNESCO, através das vias apropriadas, o dossier de candidatura dos ‘Arquivos de Amílcar Cabral’ ao registo do Memória do Mundo da UNESCO”.

Abraão Vicente esclareceu que a “única forma” de se submeter uma candidatura é através da Comissão Nacional de Memória Mundo, criada pelo Governo, e onde confirmou que o dossier já foi entregue e “está conforme”, tal como o dos documentos sobre a escravatura, protegidos pelo Arquivo Nacional de Cabo Verde.

Neste sentido, acusou a fundação, liderada pelo antigo Presidente cabo-verdiano Pedro Pires, de “desonestidade intelectual” e de “chegar-se à frente” para “parecer” que fez submissão “sem o trabalho do Estado e da Comissão Nacional da UNESCO”.

“Porque nós ainda não recebemos nenhum comunicado da parte da delegação de Dacar nem da UNESCO em Paris em como as duas candidaturas foram aceites. Os prazos terminam no dia 30 de novembro”, precisou o membro do Governo, que preside à Comissão Nacional da UNESCO.

E considerou ainda que o anúncio foi “precipitado” e “põe em causa” o trabalho de consultoria e preparação dos técnicos cabo-verdianos, entre eles do presidente da Comissão Nacional Memória do Mundo.

“Fiquei mesmo espantado ao ver a notícia, exatamente porque há aqui um trabalho que é conjunto, e não vale a pena, mais uma vez, buscar-se protagonismo através do nome de Amílcar Cabral”, entendeu, criticando ainda a “jogada dupla muito inteligente” da FAC.

Abraão Vicente deixou claro que o Governo apoia “integralmente” a inscrição dos escritos de Cabral na UNESCO, mas esclareceu que o processo deve ser entregue “sempre” pela Comissão Nacional na plataforma para o efeito.

“Aqui há claramente uma tentativa de passar um atentado de incompetência às instituições do Estado, algo que não vou deixar passar em branco porque eu não estou em nenhuma disputa ideológica”, prosseguiu, em alusão ao facto de o Governo ser suportado pelo Movimento para a Democracia (MpD), enquanto Amílcar Cabral fundou o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que deu origem ao Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, atualmente na oposição).

O ministro aludiu também ao facto de em 30 de outubro, o MpD ter reprovado uma resolução apresentada pelo PAICV no parlamento para celebrar os 100 anos do nascimento do líder das independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, em 12 de setembro de 2024.

“As disputas e a reprovação no parlamento de um documento não alteraram a agenda do Ministério da Cultura, porque nós compreendemos a ação dos deputados, por causa do contexto e da forma como foi apresentado, mas os trabalhos científicos não são afetados pelas agendas e disputas político-partidárias”, garantiu, nas declarações via telefone à Lusa.

Na sua comunicação, a FAC agradeceu a todos quantos apoiaram e processo e, “particularmente” o Comité Nacional para o Memória do Mundo, a Comissão Nacional para a UNESCO e a Missão Permanente de Cabo Verde junto da UNESCO em Paris.

“Apresentámos um dossiê sólido e nós pensamos que tem todas as condições para ser aprovado pela UNESCO”, declarou à Lusa Adão Rocha, membro da FAC.

Líder dos movimentos independentistas cabo-verdianos e guineenses, Cabral, que nasceu em 12 de setembro de 1924 na Guiné-Bissau, foi assassinado em 20 de janeiro de 1973, em Conacri.

Por: Lusa