O Banco Mundial alerta para a “dependência excessiva do turismo” em Cabo Verde e os impactos que o Setor Empresarial do Estado (SEE) ainda pode representar nas contas públicas, reconhecendo a importância da anunciada aposta no ‘hub’ digital.
“O modelo de desenvolvimento é caracterizado por uma dependência excessiva do turismo, forte presença do Governo na economia e grandes fluxos de Investimento Direto Estrangeiro direcionados a hotéis ‘all inclusive’ [tudo incluído], com pouca conexão com outros setores da economia”, refere o relatório “Cabo Verde Economic Update 2022”, apresentado hoje na Praia pelo Banco Mundial.
O documento, sobre o estado da economia, intitulado “Potenciais Dividendos Digitais de Cabo Verde”, acrescenta que o “choque resultante da covid-19 gerou a maior contração económica já registada e expôs as vulnerabilidades económicas do país”.
Contudo, essa crise “veio destacar ainda mais” o papel das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) “no aumento da produtividade e da resiliência da economia de Cabo Verde”.
O Banco Mundial recorda a importância do conceito de “Arquipélago Digital”, em implementação pelo Governo para posicionar Cabo Verde como um ‘hub’ para serviços digitais em África. “O país tenciona criar um ambiente para acolher prestadores de soluções tecnológicas, desenvolver talentos nas TIC’s e adotar tecnologias para impulsionar produtividade em todas as indústrias”, lê-se.
Nesse sentido, o documento reconhece que 62% da população já tem hoje acesso regular à Internet, “à frente da maior parte dos seus pares”, contudo a largura de banda internacional disponível é “limitada”, equivalente a 44 Kilobytes (Kb) por utilizador, o que representa uma “grande debilidade”, apresentando igualmente desafios ao nível da cibersegurança.
“Apesar de avanços significativos, as tecnologias 2G (segunda geração) dominam o mercado da banda larga móvel, a velocidade de conexão à Internet também demonstra uma má performance”, aponta o documento, que também realça os passos dados na implementação da transição digital, liderada pelo Governo e pelos serviços públicos.
O relatório descreve que antes da crise Cabo Verde teve “um crescimento económico robusto e acelerado, impulsionado por um setor do turismo próspero e beneficiando de profundas reformas estruturais”, incluindo as reformas no SEE, e com “a contenção fiscal, que fez reduzir a dívida”.
“A crise reverteu esse progresso”, lê-se.
O arquipélago enfrenta uma profunda crise económica e financeira, decorrente da forte quebra na procura turística desde março de 2020 — setor que garante 25% do Produto Interno Bruto (PIB) e do emprego -, devido às restrições impostas com a pandemia de covid-19.
Em 2020, registou uma recessão económica histórica, equivalente a 14,8% do PIB, seguindo-se um crescimento de 7% em 2021 impulsionado pela retoma da procura turística, sobretudo no último trimestre. Para 2022, devido às consequências económicas da guerra na Ucrânia, nomeadamente a escalada de preços, o Governo cabo-verdiano baixou a previsão de crescimento de 6% para 4%.
“Estima-se um crescimento médio de 5,3% entre 2023 e 2025, liderado pela recuperação do turismo e investimento nos setores das TIC, energias e pesca. A consolidação orçamental gradual, necessária para restaurar a sustentabilidade da dívida, sustentará o crescimento”, aponta o relatório.
O Banco Mundial descreve que a crise provocada pela pandemia “continuou a afetar negativamente” o SEE, “exigindo apoio fiscal adicional e levando à reversão da privatização da Cabo Verde Airlines (CVA)”, em julho de 2021.
“As pressões políticas contra a continuidade da consolidação fiscal após a crise também podem inviabilizar os esforços de reforma do SEE [que prevê privatizações e concessões de serviços públicos]. No entanto, as autoridades continuam empenhadas em continuar a melhorar a gestão do risco orçamental, com vista a reduzir o peso da dívida e melhorar a prestação dos serviços públicos a médio prazo”, refere o relatório.
“O aumento de exposição a passivos contingentes em 2020 e 2021 veio somar aos já elevados riscos fiscais. Essas vulnerabilidades podem comprometer os esforços de Cabo Verde em restaurar a sustentabilidade fiscal e reorientar a dívida (enquanto percentagem do PIB) para uma trajetória descendente a médio prazo”, acrescenta.
O documento identifica que Cabo Verde concedeu 52,4 milhões de dólares (51,7 milhões de euros) em garantias do Estado a empréstimos a empresas públicas em 2020, praticamente metade à CVA, que tinha sido privatizada (51% vendida a investidores ligados ao grupo Icelandair) em 2019. Em 2021, essas garantias adicionais para empréstimos ao SEE ascenderam a 43,6 milhões de dólares (43 milhões de euros), novamente impulsionadas pela CVA, com 20,1 milhões de dólares (19,8 milhões de euros).
A capitalização das empresas públicas custou ainda 16 milhões de dólares (15,8 milhões de euros) entre 2020 e 2021.
“A dívida pública, que vinha numa trajetória decrescente desde 2017, aumentou de forma acentuada para 155,3% do PIB em 2021, com necessidade de se fazer recurso a novos empréstimos externos concessionais e à emissão de títulos do tesouro para cobrir as necessidades de financiamento fiscal. O risco de sobre-endividamento global de Cabo Verde permanece elevado”, identifica o relatório, embora reconhecendo que a dívida externa e global permanece “sustentável”.
“Políticas prudentes de endividamento e uma gestão reforçada da dívida, assim como medidas para melhorar o funcionamento do mercado de títulos públicos, são fundamentais para alcançar dinâmicas sustentáveis da dívida. Tendo em conta a vulnerabilidade de Cabo Verde a choques exógenos, progressos nas exportações na diversificação da produção também são necessários para a sustentabilidade da dívida a longo prazo”, acrescenta o relatório.
Por: Lusa