O artista Chando Graciosa, autor de musicas como ‘Baca Brabo’, deu uma entrevista ao Santiago Magazine onde diz ser o fundador do grupo Ferro e Gaita e revela um possível esquema nos festivais nacionais.
Santiago Magazine: Então é esse saudosismo que está por detrás dessa vontade de querer estar outra vez nos palcos cabo-verdianos ao lado do Bitori?
Chando Graciosa: Sim e é isso que me dói. Porque não é normal o que está a acontecer neste país. Cabo Verde está com um sistema terrível, grave para determinados artistas. Na medida em que quem não tiver um produtor ou representante em Cabo Verde ligado aos organizadores não é convidado para actuar em nenhum festival. E Bitori, um homem com 81 anos de idade, reconhecido internacionalmente, que teve cinco anos ininterruptos a dar a volta ao mundo a apresentar os seus sucessos, e ainda em plena forma, não é respeitado por nenhum produtor nacional. Ninguém chama o Bitori e seu grupo para seja qual festival for. O poblema é que o sistema está tão minado que ignoram de propósito esse nome grande da música cabo-verdiana.
Santiago Magazine: Disse minado? Minado por quem?
Chando Graciosa: Pelos produtores e organizadores destes festivais em todo o país. Excluem este e aquele, porque como esses produtores e organizadores trabalham em sistema de troca. Cada produtor tem os seus artistas, mas quando estiver à frente de um festival chama artistas de produtores amigos e estes fazem o mesmo quando são os amigos que estão na produção. Sendo assim, quem não fizer parte dese núcleo fica de fora. Já reparou que em todos os festivais são quase sempre os mesmos artistas?
Santiago Magazine: Bem, mas se calhar é porque são estes artistas que estão mais na moda e que o público mais quer ver…
Chando Graciosa: Nada disso. O público quer também novidades e quando o sistema estiver minado o que conta é o dinheiro. Claro, quanto mais se ganha mais se quer. Por exemplo, se cada produtor receber 10 ou 11 mil contos por festival, não vai chamar mais ninguém além dos seus, pois tem que investir milhões para, em vez de apostar nos músicos cabo-verdianos, trazerem artistas do Brasil, Portugal ou de outro país, apenas para enganar o público que vieram artistas da Jamaica, dos EUA ou Nigéria.
No nosso caso, eu e o Bitori, sei que houve pessoas que queriam a nossa participação num festival, mas a proposta foi chumbada pelos seus próprios sócios que não nos querem nos festivais, pois não somos artistas que eles produzem. Estás a ver?
Santiago Magazine: Não há onde recorrer?
Chando Graciosa: Estivemos a conversar sobre isso no Ministério da Cultura, porque ao fim e ao cabo não é só isso que acontece com os músicos em Cabo Verde. Há ainda a questão dos direitos autorais.
Santiago Magazine: Hoje em dia esse tipo de apadrinhamento não existe.
Chando Graciosa: Não há, porque antigamente trabalhavamos com amor. Percorria Praia inteira em busca de apoio e conseguia. Foi o que fiz com os Ferro Gaita.
Santiago Magazine: Como assim, fundaste os Ferro Gaita?
Chando Graciosa: Quer saber a estória? É assim: queriamos levantar o grupo Abel Djassi de novo, mas não tínhamos instrumentos e soubemos então que o Eduino tinha uns aparelhos de som que alugava ali pela zona da Cidade Velha para festas de casamentos e baptizados. Precisavamos de amplificador e um lugar para ensaios no Polivalente do Bairro antes de irmos (grupo Abel Djassi) actuar na Baia das Gatas e no Fogo. Fui à casa do Eduíno eu e o Zé Mário e vimos uma gaita e pedimos-lhe para tocar. Ele tocou e então o convidamos para actuar connosco. Ele disse-nos para criarmos primeiro um grupo e se quisessemos ele nos emprestaria os equipamentos. E com um aviso: não quero fulano de tal no grupo.
Em São Vicente, onde fomos ao Baia das Gatas, falei com o Carlos Freitas, que era o então director de Produção da TNCV (actual TCV), sobre o projecto de criação de um grupo de funaná e que gostariamos que nos colocasse na televisão. O Freitas aceitou e eu cheguei logo à Praia à procura de espaço para ensaios. Consegui com o Batxa que me deu as chaves, porque já me conhecia no Abel Djassi. O François, do Centro Cultural Francês, que editava uma revista intitulada ‘A Boleia’ veio fazer uma reportagem connosco e quando nos perguntou o nome do grupo disse Ferro Gaita, que era Chando e Eduíno. Quem acabou por atribuir o nome Ferro Gaita foi a então esposa do eduíno que, em jeito de troça, dizia ‘olha os rapazes de Ferro gaita chegaram’. De tanto Ferro gaita pra aqui e pra ali acabamos por adoptar esse nome. O primeiro manager do grupo foi o Jorge (Djoy) Gonçalves, filho do José Gonçalves da Prevenção Rodoviária. Tentei antes o Guga Veiga mas ele na altura estava apegado aos Matxu Burru, umas meninas do rap do Bairro Craveiro Lopes, então nos sugeriu o Jorge Gonçalves. Falei depois com o Samuel do restaurante Garden Grill que nos abriu as portas e começamos a actuar nas noites da Praia. Daí então começaram a aparecer gente ligada ao meio musical a ir nos ver actuar no Garden Grill como o Russo, produtor.
Santiago Magazine: Nessa altura tocavam que músicas? Temas originais?
Chando Graciosa: Algumas de outros compositores, mas já cantavamos sons nossos, como por exemplo “Capadu gossi ka ta fladu, sabidu di gossi ka ta inxinadu, sodadi Tarrafal”, ou “Tareza undo bu sa ta bai”. ‘Capadu’ fui eu que fiz (e o meu nome está lá no disco deles) e Tareza era uma canção que ouvia a minha mãe cantar e que dei outro arranjo.
Santiago Magazine: Por que deixou os Ferro Gaita?
Chando Graciosa: Saí porque um colega do Eduíno me pôs em conflito com ele, sobre um assunto que não era verdade e que até hoje não contei ao Eduíno. E a pessoa que fez isso, curiosamente, foi a mesma que o Eduíno não queria no grupo. Ele veio falar mal do Eduíno comigo e foi dizer ao Eduíno que eu é que estava a falar dele. Tem a ver com dinheiro que recebiamos. Mas acho também que havia algo mais do que isso, porque na altura o Eduíno ainda não dominava a gaita e como eu toco guitarra complementava nas notas que ele não alcançava com o acórdeão. Tinhamos um grande baixista, o Feliciano, que o Eduíno afastou do grupo, simplesmente porque num dia de show o Feliciano, que sofria de hemorróidas não estava em condições de actuar e ele o mandou embora. O Eduíno era o mais fraco no grupo pelo que resolveu afastar os melhores para poder de facto mandar. Até tentaram me agredir à porta da casa do Bitori com pedradas, imagina. Então saí de vez.
Santiago Magazine: Se ele era o mais fraco como justificas a ascenção constante dos Ferro Gaita mesmo com a saída dos elementos que referiu?
Chando Graciosa: Foi o momento, porque quando saí e vim integrar o grupo do Bitori era quem gravasse primeiro que teria maior sucesso.
Santiago Magazine: Os Ferro Gaita gravaram primeiro, é por isso que tiveram maior sucesso?
Chando Graciosa: Sim, mas acontece que nós (eu e o Bitori) já na altura tinhamos um contrato com a Lusáfrica, do Djo da Silva, enquanto os Ferro Gaita ainda procuravam financiamento junto do Carlos Veiga, então primeiro-ministro. Souberam que nós já tinhamos financiamento garantido e pensaram que era o dinheiro deles que o Veiga lhes prometera, o que era falso. A verba nossa acabou por ficar na gaveta porque entretanto fui para Holanda e lá fiquei. O Bitori foi para Portugal. Então foram lá exigir o seu dinheiro pensando que essa verba nos fora atribuida. Falso. Nós tinhamos contrato com a Lusafrica, mas o Djô da Silva despareceu durante muito tempo. Quando o Djô reapareceu, queria que fôssemos gravar no Senegal e eu queria ir para França, porque também pretendia ficar na Europa.
Santiago Magazine: Bem, essa é uma estória desconhecida do público, a rivalidade entre Chando Graciosa/Bitori vs. Ferro Gaita. Essa divergência estará na origem do facto de vocês não serem chamados para espectáculos e festivais e os Ferro Gaita estarem sempre nos palcos?
Chando Graciosa: Possivelmente. Há três pessoas por dentro desses festivais, a organizar ou a produzir, com quem tivemos problemas: Djô da Silva, Russo e uma outra pessoa que não quero mencionar. Samy Radjede disse-me uma vez que o Djô da Silva lhe garantiu que eu era dos melhores cantores de funaná em Cabo Verde, mas que não trabalha comigo porque não tenho responsabilidade. O Russo, anos atrás, tivemos um problema e me disse praticamente a mesma coisa, chegando inclusive a utilizar palavrões para mostrar que não trabalha comigo. Sabes porque me disse isso? Nas vésperas de um espectáculo no Music Expo fomos ensaiar na casa do Maiuca, numa sala pequena e com ventilador no máximo para resfriar os equipamentos. Aquilo me estragou a voz, então o Manel di Candinho sugeriu, como forma de melhorar a minha voz, que tomasse um calice de conhaque esquentado com limão. O Russo viu aquilo e sem saber do que se tratava começou a gritar comigo em público que fui lá para trabalhar e não estar na bebedeira. São, enfim, pessoas que criaram uma imagem errónea da minha pessoa e andaram esse tempo todo a prejudicar-me em vez de ajudarem.
Por: Santiago Magazine






