Defesa de Saab diz que Constitucional cabo-verdiano não protegeu “direitos humanos”

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A defesa de Alex Saab, empresário colombiano considerado testa-de-ferro do Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, acusou hoje o Tribunal Constitucional cabo-verdiano de não ter sido “garante dos direitos humanos”, ao recusar suspender a extradição.

“É lamentável que o Tribunal Constitucional não tenha aceite o seu papel como um garante dos direitos humanos”, lê-se num comunicado enviado à Lusa pela defesa de Alex Saab, detido em Cabo Verde desde junho de 2020, após aquele tribunal ter rejeitado o recurso da defesa para suspensão do processo de extradição, conforme pedia o Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH).

“Em vez de ver as medidas provisórias do Comité como uma forma de interferência, o Tribunal Constitucional poderia simplesmente ter decidido levar a sério o direito internacional dos direitos humanos e as obrigações internacionais dos direitos humanos”, refere a defesa.

Acrescenta que o CDH “nada mais estava a fazer do que solicitar a adoção de medidas para preservar a integridade física e o direito à vida” do empresário e diplomata Alex Saab: “Este pedido não era nem hostil nem ilegítimo. Por outro lado, rejeitá-lo com tal força é desproporcionado”.

Segundo o acórdão do Tribunal Constitucional, que a Lusa noticiou na quarta-feira, os três juízes decidiram, por unanimidade, indeferir o recurso para “cumprimento do pedido de adoção de medidas provisórias” feita pelo CDH ao Estado de Cabo Verde, nomeadamente a suspensão do processo de extradição para os Estados Unidos da América (EUA).

Na decisão, o Tribunal Constitucional entendeu, entre outros argumentos, que o Estado de Cabo Verde não está obrigado a cumprir o pedido daquele Comité das Nações Unidas e que não há “razões suficientemente persuasivas que justifiquem que seja acolhido” o pedido e a posição do CDH.

Alex Saab, de 49 anos, foi detido em 12 de junho de 2020 pela Interpol e pelas autoridades cabo-verdianas, durante uma escala técnica no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, ilha do Sal, com base num mandado de captura internacional emitido pelos EUA, quando regressava de uma viagem ao Irão em representação da Venezuela, na qualidade de “enviado especial” e com passaporte diplomático, no pico da pandemia de covid-19.

A sua detenção colocou Cabo Verde no centro de uma disputa entre o regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, que alega as suas funções diplomáticas aquando da detenção, e a Presidência norte-americana.

Washington pediu a extradição do empresário colombiano, que acusa de branquear 350 milhões de dólares (295 milhões de euros) para pagar atos de corrupção do Presidente venezuelano, através do sistema financeiro norte-americano.

Contudo, a extradição está pendente de um recurso apresentado pela defesa, em abril, junto do Tribunal Constitucional, ainda sem decisão final.

“O Tribunal [Constitucional] adota uma abordagem estritamente positivista e voluntarista do direito internacional, com o único objetivo de justificar a violação do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR). Não tem em consideração a prática da grande maioria dos Estados partes no ICCPR e do Protocolo Facultativo, que normalmente cumprem as medidas provisórias do Comité, com exceção de Estados como a Bielorrússia”, critica ainda a defesa.

Este é um dos vários processos a correr na Justiça cabo-verdiana e internacional, movidos pela defesa de Alex Saab, para tentar travar a extradição, alegando desde logo que Cabo Verde violou as normais internacionais, ao deter um agente diplomático.

O procurador-geral da República de Cabo Verde já tinha afirmado no final de junho que o CDH não tinha competência para impor ao país a suspensão do processo de extradição de Alex Saab.

“Havendo uma denúncia de violação de direitos humanos, o que [o Comité] tem que fazer é investigar e averiguar. Se apurar que há essa violação, comunica às Nações Unidas, mas não tem competência para impor ao país a suspensão de um processo em curso no tribunal”, disse José Luís Landim, questionado na Praia pelos jornalistas.

Em 09 de junho, o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas exortou Cabo Verde a “abster-se de extraditar” Alex Saab para os Estados Unidos, pedindo que assegure “cuidados de saúde adequados”.

Para o procurador, acatar essa imposição poria em causa a própria soberania do país, onde os tribunais são independentes.

“Portanto, é algo de estranho, mas não me quer pronunciar mais sobre isso porque nós já manifestamos essa posição no processo, que foi rodeado de muita coisa, muita comunicação social, muita notícia falsa e nós tentamos sempre intervir no processo e deixamos claro que não há fundamento legal para suspender esse processo”, salientou.

O Comité dos Direitos Humanos da ONU afirmou que este pedido era o “primeiro passo urgente resultante do registo de uma queixa apresentada” pelo empresário colombiano naquele organismo.

O Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) ordenou em 15 de março a “libertação imediata” de Alex Saab, por violação dos direitos humanos, instando as autoridades cabo-verdianas a pararem a extradição para os EUA.

Contudo, dois dias depois, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a extradição para os EUA de Alex Saab, rejeitando o recurso da defesa, decisão que não chegou a transitar em julgado, com o recurso da defesa para o Tribunal Constitucional, que aguarda decisão.

Alex Saab esteve em prisão preventiva até janeiro, quando passou ao regime de prisão domiciliária na ilha do Sal, sob fortes medidas de segurança.

A defesa de Alex Saab explicou que recorreu para o Tribunal Constitucional contra a segunda decisão do STJ, que autorizou a extradição para os EUA, alegando “inconstitucionalidades cometidas ao longo do processo e na aplicação de normas em matéria de aplicação de direito internacional”, bem como a violação de regras da CEDEAO.

Por: Lusa