O cantor cabo-verdiano Dénis Graça fez a RTP África um declaração polémica sobre o estilo musical Kizomba.
O cantor que começou a sua carreira musical em 1998 afirmou que o grupo da qual ele era integrante, Os Splash, foram os fundadores do Kizomba e que este foi criado em Cabo Verde. “Nós somos um dos fundadores da música Kizomba. A música foi criada em Cabo VErde com irigens nas Antilhas e no Zouck mas o Kizomba é… se nao estou errado, foi criado em Cabo Verde, disse o cantor a RTP África.
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Tais declarações não agradaram alguns angolanos, que nas redes sociais, já manifestaram o seu desagrado por tais comentários.
Em resposta, e na sua pagina oficial no Facebook, o cantor escreveu uma carta aberta:
Depois de falar com a minha equipa e com alguns anciãos, compilamos alguns dados sobre a “polemica” kizomba / zouk eletrônico Cabo – Verdiano, que expomos de seguida, a vossa apreciação.
CARTA ABERTA AOS MEUS FÃS E AMIGOS
KiZOMBA / ZOUK ELETRONICO CABO – VERDIANO
Quando em 1984…/86… se saía para uma noitada africana na Grande Lisboa, consoante o gosto, idade e “bolso” de cada um, fazia-se o seguinte percurso: Koknut (discoteca do falecido Carlos Alhinho, na Rua de S. Bento), Lontra, na mesma Rua, um pouco mais abaixo, Bana, na Rua do Sol ao Rato, e/ou Cave Adão ao Bairro Alto. Para terminar, ia-se ao “Sítio” à Praça de Alegria para “comes e bebes”, ou à Garça e S. Bento, para uma cachupa guisada com ovos estrelados. São tempos idos mas que nos ajudam a esclarecer a confusão instalada à volta de quem é a Kizomba, originária, e de quem é o (Cabo)Zouk electrónico.
Sim, é verdade, no Koknut dançava-se ao sabor de Zouk’s Antilhanos, de execução acústica elevada, cadência equilibrada, verdadeiros sabores musicais de quem apreciava “abanar o capacete” e combater o stress. Lembro-me dos DJ’s a intercalar Zouk’s com Disco’s, e, de vez em quando, Sembas, Sambas, Coladeiras, Mornas e Funanás. Mas, Kizombas!? Muito raramente eram tocadas no Koknut! Mas a Kizomba Angolana estava lá!… Como?
Quando o DJ metia um Zouk Antilhano a pista de dança fervilhava de gente de todas as idades: angolanos (principalmente retornados e também imigrantes), exibiam a estética da dança, à “passada angolana” da Kizomba, autentica arte de bem gingar, espectáculo, e, tantas vezes toda a pista ficava à volta a ver um par a exibir os seus portentos na dança. Eles não dançavam, eles, à semelhança dos bons músicos, que tocam guitarra, bateria, piano e ou tocam a garganta, simplesmente tocavam o corpo, mexendo as pernas e os pés com mestria de quem andava em plumas. Isso era arte pura, era um regalo vê-los, apreciá-los. Mas, se o palco fosse outro, e. g. Cave Adão (predominância de Angolanos) … Meu Deus, então sim, então era o paraíso das noites africanas na Grande Lisboa. Era o âmbito em que, mesmo não ouvindo cantar a Kizomba, via – se a dança da Kizomba.
Agora, sim, chegamos a um ponto interessante: Kizomba é Angolana, e, ponto final. Faz parte da cultura musical angolana, e, de Cabo-Verdiano “nada tem”. Cantada ou dançada, ela, a Kizomba, aí estava. Quando eu me lembro de Eduardo Paim, e. g. com Kizombas, Bonga, Paulo Flores com Sembas de arrasar, aí sim, revejo as tão bem feitas e lindas “passadas angolanas”, a Kizomba no seu esplendor… vejo Angola, pura e linda.
Lisboa estava a começar a abrir-se aos ritmos Africanos, o que em França, por exemplo, já se fazia, aos ritmos Antilhanos e Martinicas.
Em meados da década de 1990 começaram a surgir, timidamente, Bandas musicais e artistas, e. g., Splash, onde Dénis Graça esteve aproximadamente cinco anos, Gil Semedo, em que se deu início a um novo estilo ritmado, com mistura de acústico com electrónico e, terá sido aí o início do chamado Zouk Cabo-Verdiano (oriundo dos emigrantes Cabo-Verdianos e dos seus filhos). Essa mistura musical foi ganhando corpo e adeptos, principalmente com os Splash /Banda e Gil Semedo a solo.
Em 2003, após ter deixado os Splash, Denis Graça lançou-se a solo, editando o seu primeiro álbum de Zouk electrónico. Eles foram muitos os que trabalharam para que o Zouk Cabo-Verdiano chegasse aonde hoje está. Falamos de artistas musicais como Beto Dias, Suzana Lubrano, Dina Medina, Tó Semedo, entre outros (se por qualquer motivo me esqueci de algum nome, ele aí está à mesma, nessa construção). O boom do chamado Zouk electrónico deu-se no mercado português. O erro, sim o erro foi não terem dado um nome a esse estilo musical que a discriminasse dos demais! Timidamente surgiram nomes como “Cabo Love” e “Cabo Zouk” mas que se reportavam mais a compilações de músicas do que a um estilo de música em particular. Por outro lado, o pelouro da Cultura Cabo-Verdiana nunca deu suporte à nova música Zouk electrónico/Cabo-Verdiano (eventualmente por ser de emigrantes/filhos), pois, “lutava” contra os estilos musicais nativos (coladeiras, mornas, mazurcas, batuque e funaná).
Agora, sim, chegamos a um outro ponto interessante: O Zouk electrónico Cabo – Verdiano é Cabo -Verdiano, e, ponto final. Faz parte da criação de músicos Cabo -Verdianos emigrados, e, de Angolano, “nada tem”.
A arte de viver a música, dançando, elevou o Zouk electrónico/Cabo-verdiano a um expoente máximo de popularidade e preferência em Lisboa. As batidas modais do Zouk electrónico elevaram a chamada dança angolana (passada da Kizomba) ao expoente máximo do consumo da música Zouk nas discotecas. Fez-se, assim, um casamento sem que os “noivos” consultassem a sua paternidade. Logo, o Zouk electrónico/Cabo-verdiano, música modal, atractiva, “calliente”, também elegante e erótica projectava-se na dança estética, elegante e, também erótica, da Kizomba Angolana. Separá-los? Impossível.
Lisboa passou a chamar a esse casamento de Kizomba. Os Angolanos não denunciaram essa união. Os Cabo-Verdianos não fizeram caso disso, pois, nem nome tinham dado (e ainda hoje não) à nova batida.
Destacamos um pormenor importante: quando, hoje, em Lisboa se diz Kizomba, não se está a pensar na música de Eduardo Paim (Kizomba)…, mas, num ritmo atractivo e “calliente” com passadas da Kizomba Angolana e música crioula, electrónica, Zouk electrónico crioulo. Isso ganhou dimensão, institucionalizou-se e ultrapassou o nome da Kizomba Angolana, para passar a ser a Kizomba. Portanto Kizomba é a música cultural e tradicional Angolana, mas, ao mesmo tempo, e, num patamar distinto, simplesmente Kizomba Zouk. Exagero? Não, é a pura realidade. Em eminência, ouve-se num diálogo simples, um músico Cabo-verdiano a dizer, “a minha Kizomba…”, para de seguida corrigir, “o meu Zouk…”. Ainda ontem (16 de Novembro do corrente – 23 horas) ao ligar o Canal 2 da RTP deparei-me com um “Festival da Kizomba” ao que assisti e, digo-vos: vi músicos angolanos a cantar à “rappers” com danças magníficas, Zouk’s Cabo-verdianos electrónicos, e outras misturas, mas, Kizombas não vi nem ouvi. Exagero? Não. Confusão? Talvez não. Egocentrismos?
Aliás voltamos um pouco atrás para falar das diferentes mutações e criatividades que os músicos angolanos (verdadeiros artistas na criatividade de novos estilos musicais – tiro-lhes o chapéu) realizam: das misturas do R&B com pop´s, dos rappers, do Kuduro (Helder o rei do Kuduro), das diferentes variações do Yuri da Cunha, da música do Anselmo Ralph e do C4 Pedro, entre outras, e, isso tudo misturado é chamado, de uma forma geral, e, quiçá, abusiva de Kizomba. Exagero? Talvez não, mas, realista. Na realidade, como o termo Kizomba é angolano, nos quatro quadrantes do mundo por onde se canta e se toca o Zouk electrónico Cabo-Verdiano (mistura ou não) e se dança à passada Angolana da Kizomba, quer seja por Cabo-verdianos, Angolanos, Guineenses, e, até à Pimba Portuguesa, tudo é Kizomba. Exagero? Falsidade? Não.
Portanto, meus amigos, não tirem a Angola o que é de Angola (a Kizomba), mas também, não tirem aos Cabo-Verdianos o que é de Cabo-Verde (o Zouk electrónico Cabo – Verdiano). Kizomba não é Zouk electrónico, Zouk electrónico não é Kizomba. A dança da passada Angolana uniu-os, casou-os, e, hoje, separá-los, é praticamente impossível. Haja paz, critério e justiça. Dancemos a “Kizomba”, fora da Kizomba – música tradicional angolana. Discutir sobre este assunto é, com todo o respeito “deitar água para um balaio furado”.
Esta é uma carta aberta, e, para a melhorar, aceitamos sugestões, críticas, e, até contraditórios, mas, meus amigos, sem ressentimentos, sem nacionalismos e sem ofensas.
Bem-haja a todos
DG RECORDS