O Governo cabo-verdiano garantiu hoje que está a cumprir com as suas responsabilidades em relação à situação de ingovernabilidade na Câmara Municipal de São Vicente e chamou atenção para o princípio da autonomia do poder local.
“O Governo está a assumir na plenitude as suas responsabilidades e estamos a desenvolver as nossas ações, de acordo com o quadro constitucional e legal vigente no país”, disse, em conferência de imprensa, na cidade da Praia, a ministra da Coesão Territorial, Janine Lélis.
A posição surge um dia após o Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, ter responsabilizado o Governo pelo arrastar da situação de ingovernabilidade na Câmara de São Vicente, a segunda maior do país, afirmando que o executivo “tem de cumprir o seu papel”.
Augusto Neves, candidato pelo Movimento para a Democracia (MpD, no poder em Cabo Verde) foi reeleito nas eleições autárquicas de outubro de 2020 presidente da Câmara Municipal de São Vicente, mas sem maioria, necessitando do apoio dos três eleitos do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e dos dois da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID) para governar, o que não tem acontecido, com trocas de acusações constantes e o chumbo de várias propostas de parte a parte.
Entretanto, os cinco vereadores da oposição entregaram na quarta-feira, no tribunal local, um processo pedindo a perda de mandato do presidente da autarquia (que conta com mais três vereadores eleitos pelo MpD).
Nas declarações à imprensa, a ministra lembrou que em junho o Ministério da Coesão Territorial, enquanto departamento do Governo com essa responsabilidade, desencadeou um processo de averiguação que foi concluído em agosto, com recomendações ao município de São Vicente e também solicitou a intervenção do Ministério Público para anular deliberações tomadas anteriormente.
Sem fazer nenhuma referência às declarações do Presidente da República, a ministra referiu por várias vezes que os órgãos de soberania de Cabo Verde têm de ter todos presente um princípio fundamental que está na Constituição que é a autonomia do poder local.
E notou que há uma tendência para se considerar que o Governo deve agir nas decisões políticas da autarquia local, mas sublinhou que não compete ao executivo avaliar se uma decisão é boa ou má.
“A competência que nós temos, que é ditada pela Constituição e que é traduzida no estatuto dos municípios, é referente à tutela de legalidade, que nos dá uma permissão para avaliar se os atos que os órgãos praticam estão em conformidade ou não com a lei e isto vem sendo feito, tanto em relação à Câmara da Praia como em relação à Câmara de São Vicente”, esclareceu.
A ministra lembrou que o município de São Vicente tem os seus órgãos eleitos, sendo, por isso, suposto que as questões de natureza política sejam analisadas entre as forças políticas que compõem a câmara municipal.
“O Governo não pode impor consensos”, insistiu Janine Lélis, dizendo ainda que o executivo não se pode intrometer e fazer ação política em relação à tutela da legalidade dos atos dos municípios.
Nas suas declarações, o chefe de Estado defendeu que “os políticos têm de estar à altura das demandas e das exigências dos cidadãos” e que cabe ao Governo a tutela das autarquias locais.
“Espero que rapidamente os tribunais decidam sobre esta matéria. E queria também dizer que todos têm de cumprir as suas responsabilidades institucionais. O Governo tutela a legalidade dos atos municipais e tem de cumprir o seu papel. Não pode deixar que os órgãos fiquem à deriva (…). É preciso que a tutela da legalidade cumpra efetivamente o seu papel”, disse ainda o Presidente, recordando que os relatórios sobre a gestão do município “já foram feitos há algum tempo”.
“E há algum tempo que estava à espera que fossem tomadas medidas no quadro legal. As autarquias locais têm autonomia, mas a tutela da legalidade é por parte do Governo e quando há ilegalidades graves, portanto, as instituições devem funcionar. Não podemos deixar as instituições com esse nível de conflito e que pode contribuir para degenerescência dessas instituições, para o descrédito das instituições e da política”, concluiu José Maria Neves, antigo primeiro-ministro (2001 a 2016) pelo PAICV.
Com cerca de 75.000 habitantes, a ilha de São Vicente é considerada a capital cultural de Cabo Verde e a autarquia integra a cidade do Mindelo.
Por: Lusa