O presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, afirmou hoje que a democracia no país “não vai bem” com milhares de cabo-verdianos a viverem em pobreza extrema ou em “crise alimentar aguda”.
 

“A democracia não se esgota apenas na realização da eleição, por mais que ela ocorra com pontualidade e os seus resultados sejam sempre respeitados. A nossa não vai bem quando cerca de 73 mil cabo-verdianos vivem em situação de extrema pobreza e aproximadamente 46 mil em situação de crise alimentar aguda”, afirmou o chefe de Estado no discurso oficial das comemorações do Dia da Liberdade e da Democracia.

“O desemprego jovem é elevado, a inflação atinge principalmente as famílias mais carenciadas e a desigualdade aumenta. De salientar que a condição de pobreza não é uma opção, sendo que ela fere a dignidade humana e é um terreno fértil para o condicionamento do voto”, acrescentou.

O parlamento cabo-verdiano, na Praia, recebeu hoje a sessão solene comemorativa do Dia da Liberdade e da Democracia, que assinala a realização, em 13 de janeiro de 1991, das primeiras eleições multipartidárias em Cabo Verde, após o período do partido único no país.

“Constata-se a urgência de uma reforma global do Estado e da Administração Pública, com medidas estruturantes, adequando as suas dimensões às reais necessidades do país, reduzindo custos, potenciando ganhos de eficácia e de eficiência, com mais flexibilidade e respondendo com mais sofisticação aos ingentes desafios do atual contexto socioeconómico”, exemplificou.

“Bem concebida e executada”, essa reforma, disse, “será capaz de ter efeitos na redução das despesas de funcionamento do Estado, libertando meios para o combate à pobreza e às desigualdades, contribuindo efetivamente para que uma larga franja de cabo-verdianos das classes mais desfavorecidas possa ter acesso a mais recursos, de forma a poder ter uma vida mais digna”.

A democracia, acrescentou “também se realiza, e se cumpre a Constituição, quando os cabo-verdianos tiverem melhores condições de mobilidade entre as ilhas, quando os órgãos de regulação tiverem bom desempenho, quando a Justiça for mais célere e diminuir a sensação de impunidade, quando a violência urbana for reduzida através de estratégias capazes de agir mais na prevenção do que na repressão”.

No seu discurso, José Maria Neves afirmou ainda que é necessária uma comunicação social “livre, forte e independente”, o que “contribui para uma boa saúde da democracia”.

“Esta fica sempre mais frágil se a imprensa se cala ou se acovarda. Os inimigos da democracia dificultam a vida a uma imprensa livre para, também, enfraquecerem a resistência dessa mesma democracia. Temos que evitar tanto a censura como a autocensura e trabalhar para que Cabo Verde volte a subir no ‘ranking’ de liberdade de imprensa”, disse.

José Maria Neves apontou também que “a forma ligeira e desrespeitosa como se discute determinadas questões políticas essenciais pode originar cansaço e descrédito em relação à política, aos políticos e às instituições, o que só desvaloriza a democracia”.

“Cabe, pois, tudo fazer para reforçar as instituições enquanto pilares do sistema democrático, valorizar a política, os políticos e os partidos e qualificar a democracia”, disse.

O chefe de Estado reiterou que é necessário um “cada vez melhor entendimento e cooperação entre os órgãos de soberania”, bem como “uma leitura adequada de determinados conceitos, nomeadamente a interdependência e separação de poderes”, sublinhando a sua “disponibilidade institucional” para “a busca dos melhores entendimentos”.

“A democracia também é um regime de instituições, enquanto estrutura, normas, regras, hábitos mentais e costumes. Temos que reforçá-las e melhorar o seu desempenho através da disponibilidade para o diálogo e a procura incessante de consensos. Só se consegue construir a democracia com democratas genuínos, com todo o mundo a conversar, a debater de forma salutar, recuperando as boas relações entre políticos, vizinhos, colegas de trabalho, classes profissionais, academia, etc. Desta forma, com pedagogia, estaremos a dissipar o clima de crispação, algumas vezes presente, e contribuir para o diálogo, tolerância, cooperação e confiança”, acrescentou.

Defendeu que a democracia também é construída com “dissensos e divergências”, o que “exige a convivência pacífica” e “respeitosa” entre todos, “com a maioria a preocupar-se com as minorias, sendo certo que nem mesmo uma maioria absoluta quer dizer poder absoluto”.

“São sempre desejáveis e necessárias a busca e obtenção de consensos, o que beneficia os cidadãos, credibiliza as instituições democráticas e facilita o revezamento de papéis, como sempre sucede em democracia. Quanto maior o respeito pelo adversário, maior é o contributo para a elevação do debate político. Mais cultura democrática significa melhores condições de fala e maior disponibilidade do outro para ouvir. Sublinho aqui a necessidade de reaprendermos a escutar e a discutir”, disse.

“É possível divergir com elegância, respeito e consideração. Na democracia há situação e oposição. O Governo governa e a oposição faz o seu papel, sempre com respeito mútuo”, enfatizou.

Por: Lusa