A desertificação está a afetar o interior da ilha de Santo Antão, com os mais novos a procurarem oportunidades fora, como espelha um jardim de infância da localidade de Lagoa, frequentado por apenas duas irmãs gémeas.
Em conversa com a Lusa, a auxiliar do jardim de infância “Ursinho”, naquela localidade do interior de Santo Antão, município de Ribeira Grande, conta que em 2021 já eram apenas quatro as crianças que frequentavam o espaço. Dessas, uma passou este ano para o ensino básico e outra mudou-se com a mãe para outra localidade, à procura de melhores condições de vida, diferentes da realidade de uma zona essencialmente agrícola e sem perspetivas de futuro.
Para este ano restaram apenas as duas irmãs gémeas, de cinco anos, as últimas crianças da localidade.
“Talvez no próximo ano não teremos crianças neste jardim”, lamenta a auxiliar, Isaurinda Santos.
Lagoa localiza-se no planalto leste da ilha de Santo Antão e ali vive-se, além da agricultura, essencialmente da criação de gado. Contudo, nos últimos anos foi fortemente afetada pelas secas, pela praga da lagarta do cartucho do milho e ataques recorrentes dos cães aos rebanhos de cabras.
“Aqui falta trabalho, falta chuva e mesmo que chova, não há muito emprego, por isso os jovens procuram a vida por outros lados. Por outro lado, não vais ter um filho para o ver a sofrer. Desta forma acho que muitos também estão à espera que a situação de vida melhore para depois terem filhos”, desabafa a auxiliar, que acredita que com a ida para à escola das duas irmãs no próximo ano, o jardim infantil tenha os dias contados, retrato do que se passa em várias localidades do interior da chamada “ilha das montanhas”.
Apesar de ser trabalhado todo conteúdo letivo, como se de uma turma normal se tratasse, a situação destas crianças, privadas de conviverem com colegas da mesma idade, preocupa esta profissional, que diz ainda que o contexto faz com que percam outros direitos que deveriam estar a usufruir.
“Convivem uma com a outra todos os dias aqui e em casa, então não há troca de experiências com outras crianças. Ainda, elas não recebem a refeição quente que deveriam receber porque não é viável cozinhar apenas para duas crianças e a autarquia está a tentar ver como resolver a situação”, lamenta ainda Isaurinda Santos.
Naquele jardim infantil trabalham apenas duas funcionárias, a monitora e a auxiliar, que já sabem que no próximo ano, se não houver crianças em Lagoa, irão para o desemprego.
No entanto algumas organizações buscam formas de manter os jovens na localidade. É o caso de elementos da delegação da Ribeira Grande da Organização das Mulheres de Cabo Verde que, num encontro com mulheres da localidade, questionaram a viabilidade de ter formações para jovens naquela localidade.
“Trazer os formadores aqui todos os dias não é fácil, por causa de transporte e não sei se os jovens que vivem aqui estão dispostos a aderirem às formações”, observa Carlinda Gonçalves, garantindo que a associação está à procura de soluções para contornar a realidade que se vive em Lagoa e noutras localidades de Santo Antão.
Aproximadamente 131 mil crianças, adolescentes e jovens cabo-verdianos regressaram às aulas em Cabo Verde, nos diversos níveis de ensino, em 19 de setembro, praticamente sem restrições devido à pandemia de covid-19, como nos anos anteriores.
De acordo com os dados do recenseamento geral realizado pelo Instituto Nacional de Estatística em 2021, a população residente em Cabo Verde foi de 491.233 indivíduos, abaixo das projeções, que apontavam para mais de meio milhão de habitantes.
A responsável da unidade de metodologia, concessão e análise do gabinete de recenseamento do INE, Elga Tavares, admitiu anteriormente que segundo o estudo a “pirâmide etária mostra uma contracção da base”: “O que significa que temos baixa fecundidade e, a par disso, os dados da emigração demonstram que estão a sair jovens em idade reprodutiva e sobretudo mulheres”.
“Constatamos que a emigração é forte sobretudo na camada jovem, sendo que 64% dos que emigraram estão com idades compreendidas entre os 15 e os 34 anos, portanto estão na idade reprodutiva”, acrescentou.
Cabo Verde enfrenta uma profunda crise económica e financeira, decorrente da forte quebra na procura turística – setor que garante 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do arquipélago – desde março de 2020, devido à pandemia de covid-19.
Em 2020, registou uma recessão económica histórica, equivalente a 14,8% do PIB, seguindo-se um crescimento de 7% em 2021 impulsionado pela retoma da procura turística. Para 2022, devido às consequências económicas da guerra na Ucrânia, nomeadamente a escalada de preços, o Governo cabo-verdiano baixou em junho a previsão de crescimento de 6% para 4%.
Por: Lusa